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Ninguém solta a mão de ninguém

Nunca tinha vivido essa frase de forma tão profunda. Hoje, 11 de julho de 2023, era quase tocável o empenho de centenas de pessoas buscando convencer os últimos municípios remanescentes que ainda não tinham enviado o Plano de Ação na plataforma Transferegov e garantido os recursos da Lei Paulo Gustavo aos trabalhadores da cultura dos nossos municípios.


Somou-se muitos voluntários dos Comitês estaduais da Lei Paulo Gustavo a servidores do MinC e das Secretarias Estaduais de Cultura – artistas, gestores municipais, agentes públicos e quem mais pudesse conseguir um contato direto dos gestores municipais. Uma luta onde cada município que incluía o plano na plataforma era motivo de comemoração.


Dos 5.568 municípios brasileiros, o painel de dados do MinC acusava 215 municípios sem cadastrar o plano e outros 56 ainda em elaboração, na manhã do dia 11, último dia para aderir ao programa. Conseguimos mobilizar até prefeitos para reverter o quadro e aumentar o número de adesões. Foi linda a mobilização, confesso que sinto muito orgulho de ter conseguido apoiar um pouco no que me foi possível. Mas também me trouxe algumas reflexões que compartilho aqui.


Estamos lutando pela aprovação dessa lei desde 2021, acompanhando votações no Senado, Câmara, dia de Twittar, derrubada de veto, apoio do STF, ajuste no orçamento federal, trocentos grupos de whatsapp, lançamento do decreto de regulamentação com festa e afins, capacitações do SEBRAE em nível nacional. Nosso país é tão amplo e tão diversificado que encontramos ainda gestores que não estavam por dentro desses recursos. Outros que não sabiam como proceder, outros que perguntaram, no dia 11/07, se não podia ser na próxima semana pois estava em demanda de evento cultural do município. E vários deles, mesmo com tantas ligações de tantas pessoas diferentes tentando convencê-los, ainda preferiram não solicitar os recursos. Os argumentos mais recorrentes:

1) não tinham pessoal na pasta da Cultura para conseguir realizar os próximos passos, 2) o recurso era muito pequeno pelo trabalho que teriam e 3) não temos ninguém da cultura na cidade.


É um soco no estômago isso. Nós que estamos tentando votos para 2% no orçamento do governo federal (PPA), precisamos falar sobre a situação das pastas municipais de cultura. Não adianta conseguir recursos se não temos condições de executar. É uma realidade de muitos municípios do Brasil. Que argumento a gente podia usar para convencer esse município? Se essa primeira fase que podia ser simplificada já era complexa para eles, como insistir para que solicitassem o recurso?


Que seja um momento de aprendizado e de mudança. Digo mudança efetiva. É o momento de mapear, capacitar os gestores, buscar a construção de planos municipais de cultura que tenham foco na melhoria do serviço público na nossa área, colocar ações para conseguir Secretarias de Cultura independentes da Educação, do Esporte, do Lazer e sei lá mais de quais outras.


A cultura gera emprego e renda, cria muitos postos de trabalho, apoia o crescimento da economia com mais de 3,1% do PIB nacional além de contribuir com nossa identidade como povo e tantos muitos outros motivos. Precisamos fortalecer esse entendimento nas cidades brasileiras!


O setor precisa de recursos, mas também temos que rever prazos e tantas coisas. Mais de 5.000 municípios terão somente um ano para implantar conselho, plano e fundo de cultura (nem preciso dizer da importância desse processo ser real, com diagnóstico e participação popular, né?


Quem está lendo esse artigo sabe o tamanho do desafio desses passos). Os municípios que quiserem participar da 4ª Conferência de Cultura têm ainda que agilizar até agosto a etapa municipal – no meio dos editais e do atropelo da Lei Paulo Gustavo. E ainda tem a possibilidade de se iniciar a execução da Lei Aldir Blanc 2, de acordo com divulgação do próprio Ministério da Cultura.


E se formos pensar mais amplamente, fazendo um paralelo entre os responsáveis pela pasta da cultura nos municípios e os agentes culturais do país, o desafio é ainda muito maior.

Quantos trabalhadores da cultura terão possibilidade de efetivamente concorrer a esses recursos? Quantos não são sequer alfabetizados ou não tem acesso a um computador para escrever suas propostas – quem dirá acesso à Internet e qualificação para apresentar seu projeto de forma que realmente concorra aos recursos? Como alcançá-los para participarem efetivamente das discussões, apresentarem seu projeto de forma oral como permite a lei e tantas outras questões?


Seguindo no raciocínio, quantos conseguirão aprovar o projeto mas nem saberão por onde começar a executar os recursos? Quantos sabem que não podem usar a conta do projeto para outras ações? Que devem pedir notas fiscais, RPAs, recibos e outras questões de execução que a gente tem estudado há anos e ainda surgem dúvidas?


O edital modelo do MinC de outras áreas da cultura tem 17 páginas. Quantos trabalhadores da cultura têm condições de acessar, ler e entender os termos? Apresentar os documentos que são solicitados, cumprir os prazos e tudo mais? Com a (re)criação dos conselhos municipais, teremos cerca de 20 a 30 mil novos conselheiros para ocuparem um importante papel social. É imprescindível mapeá-los, oferecer qualificação, informações e apoio.


É, hoje vivi um momento lindo de engajamento do setor. Mas deixo a reflexão... ainda temos um caminho muito longo a percorrer. Essa corrente de apoio tem que ser ainda mais ampliada para ter mais alcance, precisamos discutir nossos problemas e pensar em como minimizá-los a longo prazo. Não é hora de sair dos grupos, mas de engrossar esse caldo de pessoas lutando pela cultura. Seguimos sonhando com uma cultura fortalecida. E fica o apelo...ninguém solta a mão de ninguém.


Por Poli Brasil – Arte em Prática Assessoria em Cultura

Jornalista graduada em Direito, produtora cultural, captadora de recursos e assessora técnica em Cultura.

 
 
 

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